Existem inúmeros benefícios provenientes do Evangelho que estão disponíveis aos cristãos, dentre os quais podemos mencionar: o perdão dos pecados; a paz com Deus; a esperança de uma futura glorificação; e a liberdade que temos em Cristo. Especificamente, com relação à esta última, o escritor da epístola aos crentes da região da Galácia nos apresenta uma forte advertência quanto a utilização indevida desta liberdade:
“Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade;
porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne;
sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor.”
(Gálatas 5.13)
Os autores do livro adotado como base para esta série apresentam uma ênfase na tendência de tornarmos o Evangelho uma realidade individual.
“Quando ouvimos palavras como transformação, renovação ou crescimento, interpretamos esses benefícios principalmente como algo pessoal e interno: a minha transformação, o meu crescimento, a renovação do meu coração pelo Evangelho.” ¹
Apesar da descrição exata das ações operadas pelo Espírito Santo e os respectivos efeitos observados em nossa vida cristã (sobre nós e em nós), é de suma importância considerar que os resultados da graça de Deus transcendem a esfera individual, atingindo pessoas ao nosso redor (através de nós). A obra que está sendo efetuada em nós nos impulsiona para ações de amor e serviço a outros.
Podemos então constatar a ação simultânea da graça de Deus nas esferas interna e externa de nossa vida cristã.
Internamente, a graça de Deus se mostra ativa no convencimento do pecado, na identificação dos ídolos do coração, produzindo em nós respostas em arrependimento e fé, por fim, tornando possível experimentar a alegria da transformação e do crescimento (esses aspectos foram abordados de forma mais profunda nos editoriais anteriores).
Externamente, ela nos capacita a perceber a necessidade, bem como executar iniciativas de amor e serviço resultando na alegria de observar Deus agindo através de nós.
Assim, podemos observar que o Evangelho trabalha de forma concomitante dentro e fora de nós. Ele nos renova e nos impulsiona para fora, evidenciando que, não somente é a solução para nossos pecados e nossas limitações, mas também é a resposta para nossa falta de capacidade de interagirmos e amarmos as pessoas, produzindo uma vida ativa no cumprimento da nossa missão.
Cientes desta forma de atuação podemos refletir sobre como esta ação externa do Evangelho se evidencia na prática.
Sabemos da necessidade de amar o próximo, princípio exposto pelo próprio Jesus em resposta ao questionamento de um escriba sobre qual seria o principal dos mandamentos:
“O segundo é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.
Não há outro mandamento maior do que estes.”
(Marcos 12.31)
Porém, ao nos depararmos com as diferenças (faixa etária, histórico familiar, preferências, assuntos de interesse etc.), podemos ser levados a concluir que não temos muito em comum e a desistirmos de uma abordagem objetiva.
Esse conflito é exemplificado por um dos autores que compartilha uma situação particular, conforme a seguir:
“Eu estava enfrentando um dilema: ou me forçar a amar meu vizinho e servir-lhe, embora eu não quisesse, ou ignorá-lo e não fazer nada. Sabia que ignorá-lo era pecado, mas a primeira opção também não me parecia muito mais agradável.” ²
Apesar de termos conhecimento que “devemos” cultivar um relacionamento, esse dever não produz mudança de coração a ponto de gerar motivação para realizar, e nos deparamos com duas opções extremas: legalismo, optando por obedecer mesmo sem vontade ou licenciosidade, escolhendo não obedecer deliberadamente. Contudo, nenhuma destas opções traduz o Evangelho.
O Evangelho nos mostra que à medida que a graça começa a agir nos ajudando a identificar as verdadeiras motivações de nossas ações, na maioria das vezes, carregadas de egoísmo, falta de amor ou mesmo amor condicional (atendendo aos nossos próprios interesses e não aos dos outros), também nos propõe um caminho de arrependimento e fortalecimento da fé por meio das verdades e promessas de Deus. Como resultado da ação da graça de Deus em nós, surgem espontaneamente demonstrações de amor ao próximo, possibilitando que a missão deixe de ser um fardo para se tornar um prazer. A síntese é apresentada por um dos autores na seguinte frase:
“Significa que a missão não é um dever (algo que “devemos fazer”), e sim um transbordar natural da operação do Evangelho dentro de nós. Se você não está motivado a amar as pessoas, servir-lhes e pregar-lhes o Evangelho, a solução não é apenas fazer, mas, sim, examinar seu coração, arrepender-se de seu pecado e discernir em que ponto sua incredulidade está interrompendo a atuação natural do Evangelho em nos impulsionar para fora.” ³
Finalmente, podemos estar certos de que a graça de Deus está sempre expandindo sua atuação e nos renovando (em nós), e à medida que vivemos moldados pelo Evangelho, a missão transbordará naturalmente (através de nós).
Aspectos para reflexão:
● Observar situações nas quais você não está motivado a fazer o que “deve” ser feito. Quais questões em seu coração o impedem de agir com a motivação correta?
● Como você responde quando lhe falta motivação para a missão (cumprimento das ações que a graça de Deus nos capacita/impele a fazer): com legalismo ou licenciosidade?
● No aspecto interno (em nós), quais pecados necessitam de arrependimento e em quais promessas você não está crendo verdadeiramente (fé)?
Editorial de Neemias X. P. Santos
¹ THUNE, Robert H.; WALKER, Will, A Vida Centrada no Evangelho, São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 60.
² Ibid., p. 61
³ Ibid., p. 62
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