Vivemos numa era de descontentamento. Nosso mundo é um lugar onde grandes mudanças ocorrem rapidamente e com uma frequência altíssima. Mudamos de casa, carro, emprego, cidade e até de país. Conversas e principalmente anúncios na televisão e internet são ruídos externos que nos bombardeiam com propostas e pensamentos, nos convencendo de que ainda não possuímos o suficiente para sermos felizes.
Anos atrás, Nelson Rockfeller foi interrogado com a seguinte pergunta: “Quanto dinheiro é necessário para fazer alguém feliz?” Ele respondeu: “Só um pouco mais”. Essa resposta retrata bem o que o mundo acredita acerca do contentamento e nos mostra a natureza ingrata do coração humano que por vezes toma conta de nossas ações e pensamentos. Será que essa ingratidão e constante necessidade por mudanças são decorrentes desses ruídos externos que nos rodeiam?
Embora nosso contexto seja realmente ruidoso, Deus ordena que vivamos uma vida piedosa e que busquemos um constante crescimento em contentamento, a fim de sermos sal e luz (Mateus 5.13–16) em um mundo caído. Somos chamados a mostrar ao mundo qual é o verdadeiro significado do contentamento.
O contentamento...
Entender o verdadeiro contentamento é vital para que consigamos discerni-lo do falso contentamento. Creio que a melhor definição de contentamento que eu tenha lido até hoje seja a do puritano Jeremiah Burroughs: “Contentamento Cristão é aquele estado doce, interior, sereno e gracioso de espírito, que livremente se submete e se delicia na disposição sábia e paternal de Deus em toda e qualquer situação.” Clara, direta e objetiva. Em outras palavras, é alegrar-se no Senhor em toda e qualquer circunstância.
O verdadeiro contentamento dá sentido e alegria às circunstâncias momentâneas. O falso contentamento, no entanto, tenta, através de circunstâncias momentâneas, atingir um contentamento que nunca chega.
...é uma ordenança
“Sejam vossos costumes sem avareza, contentando-vos com o que tendes; por que ele disse: Não te deixarei, nem te desampararei” (Hebreus 13.5). Por ser algo ordenado, deve ser uma marca do verdadeiro discípulo. O verdadeiro discípulo é alguém que ama a Deus e, por amá-lO, guarda e obedece a Seus mandamentos (João 14.15). Tal obediência o levará a desfrutar a real alegria, que não depende de nada além de Cristo. A alegria é fruto de um coração contente e é uma marca do verdadeiro discípulo.
...não é natural, é impossível!
Naturalmente somos inclinados ao descontentamento, valorizamos o que não temos e menosprezamos aquilo que temos. Como consequência, ficamos correndo atrás de coisas que parecem nos trazer algum tipo de felicidade, mas que na verdade acabam nos frustrando. Este é o nosso natural. Porém, Paulo nos apresenta um contentamento cristão que ele pôde desfrutar no meio de sua caminhada espiritual.
“Alegrei-me, sobremaneira, no Senhor porque, agora, uma vez mais, renovastes a meu favor o vosso cuidado; o qual também já tínheis antes, mas vos faltava oportunidade.
Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome;
assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece.”
(Filipenses 4.10–13)
Paulo não desfrutou este contentamento por ser um “supercrente” — pelo contrário, ele se considerava o pior dos pecadores (1 Timóteo 1.15) — mas sim porque entendeu que podia todas as coisas através de Cristo. Ele podia suportar toda e qualquer situação pois seus olhos não estavam mais fixos nos ruídos externos e sim na pessoa de Jesus. Sua convicção estava em que todas as coisas aconteciam sob a permissão de Deus (Mateus 10.29, 30) para que ele se tornasse mais parecido com Cristo (2 Coríntios 3.18). E essa deve ser nossa esperança! Desfrutar de um contentamento genuíno é impossível através de nossas forças, mas é Cristo quem nos garante plena satisfação nEle.
...é trabalhado e progressivo
Precisamos exercitar nosso contentamento. Não é algo que conseguimos adquirir de um dia para o outro. Por não ser algo natural, é algo que nos trará grandes dificuldades, pois os padrões de Deus diferem dos nossos. Enquanto o mundo diz que para ser feliz precisamos sair de uma situação ruim, Deus nos diz que precisamos encontrar satisfação no meio da adversidade. Enquanto o mundo nos diz que para ser feliz precisamos conquistar bens materiais que ainda não temos, Deus nos diz para sermos satisfeitos com aquilo que temos e que devemos ansiar pelo céu.
...é paz no meio da adversidade
Parece loucura, e é mesmo (1 Coríntios 1.18)! Vimos Paulo totalmente satisfeito com a circunstância em que se encontrava. Com certeza tinha medos e incertezas, porém, o que se via era um contentamento que transcendia qualquer situação. Sua declaração (Filipenses 4.10–13) ganha ainda mais força pelo contexto em que ele a escreveu. Preso e sozinho, Paulo ainda não sabia qual seria seu destino. Poderia morrer ou ser liberto.
Paulo entendeu, também, que o sofrimento circunstancial tinha seu determinado lugar e valor:
“Por honra e por desonra, por infâmia e por boa fama, como enganadores e sendo verdadeiros; como desconhecidos e, entretanto, bem-conhecidos;
como se estivéssemos morrendo e, contudo, eis que vivemos; como castigados,
porém não mortos; entristecidos, mas sempre alegres; pobres,
mas enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo.”
(2 Coríntios 6.8–10)
As aflições virão. Isso é uma verdade para todos nós que vivemos em um mundo caído. Contudo, com o entendimento de que as aflições possuem um papel em um plano maior desenhado por Deus, mesmo que soframos momentaneamente, podemos permanecer contentes e confiantes nEle.
...é testemunho vivo
Um coração contente testemunha do amor de Cristo e alcança vidas para o Reino. Paulo, mesmo quando submetido a circunstâncias adversas, glorificava a Deus com alegria. Em sua prisão, quando escrevia aos Filipenses, pregou para toda a guarda pretoriana, de modo que as pessoas não conseguiam entender como alguém podia ser feliz mesmo estando preso. Paulo, movido pelo Espírito Santo, transformou uma circunstância adversa em um ato de evangelismo, pois ele entendia qual era o papel daquela aflição dentro de um plano maior.
Portanto, um coração descontente e murmurante, além de demonstrar falta de confiança nas promessas de Deus, é um coração orgulhoso e não consegue ser sal e luz para o mundo, pois é incapaz de transmitir uma vida de alegria e gratidão na pessoa de Cristo.
...promove vida
Um coração que não está empenhado em crescer em contentamento, segue errante e disperso com as coisas que o mundo lhe pode oferecer. Como consequência, está sempre insatisfeito e cresce em descontentamento, que geralmente não é o pecado final. O descontentamento gera a murmuração, a cobiça, a ganância e outros pecados.
“Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça,
quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido,
dá à luz ao pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte.”
(Tiago 1.14, 15)
Desta forma, o contentamento nos blinda de um coração errante e que caminha a passos largos para a morte eterna. Por isso, como cristãos, somos chamados a viver uma vida piedosa e em constante exercício de nosso contentamento para que possamos proclamar o nome de Cristo através de nossa alegria.
Editorial de Rafael Ceron
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