Todos dizem que o perdão é um ideal belíssimo até terem algo a perdoar. (C. S. Lewis)
Em nossa cultura, pedir desculpas ou perdão é algo recorrente e comum, social e eticamente bem-aceitos, mas nem sempre são pedidos adequadamente. Ao esbarrar em alguém, você se desculpa, pois não teve a intenção de fazê-lo. Também é comum ouvirmos frases como “perdoem-me pelo atraso, o trânsito estava um caos”, ou “desculpe, mas não poderei te ajudar amanhã”.
No entanto, embora pedidos de perdão e desculpas sejam considerados e usados como sinônimos, são praticamente opostos. Por mais “bem-intencionado” que seja seu uso, devemos tomar cuidado e entender bem seus conceitos.
Pedir desculpas é dizer “eu não tive culpa, foi sem querer, eu não pude evitar”. Um ato falho precisa ser “des”culpado (retirada da culpa) pela parte ofendida. O perdão, por outro lado, diz: “eu errei, pequei contra você, fiz você sofrer por um ato intencional ou evitável da minha parte (seja por ação ou omissão), reconheço minha culpa e aceito as consequências”. É interessante ressaltar que podemos incorrer no erro de “banalizar” o pedido de perdão, usando-o para coisas triviais; por outro lado, também é errado pedir meras desculpas por ofensas dignas de arrependimento. Tal arrependimento pode necessitar de um pedido de perdão bíblico, responsabilização, e por muitas vezes, restituição do dano causado.
Com isso em mente, veremos a seguir princípios bíblicos sobre o perdão — tanto para o ofensor quanto para o ofendido. Todos nós, em um nível ou em outro, nos enquadramos nos dois casos.
O pedido de perdão que faz diferença
Se você pecou contra alguém, considere: O caminho para a paz em 3 passos:¹
Passo 1 – Agrade a Deus (identifique sua parte na ofensa)
Em Mateus 7.3–5, lemos a analogia do cisco e da trave no olho. Antes de darmos os passos para identificar as falhas da outra parte, precisamos identificar as “traves” que nos impediram de enxergar nosso pecado para que o conflito acontecesse. Ore ao Senhor para que Ele descortine seus olhos, para que você veja plenamente sua “lista de traves” e identifique sua parte na ofensa.
Passo 2 – Arrependa-se (resolução vertical)
Nosso pecado é sempre contra Deus primeiro. Arrependa-se e se achegue ao Trono de Graça, reconhecendo seu pecado e pedindo perdão, sabedoria e graça (Hebreus 4.16).
Pecados do coração (crenças e motivações)
Fazemos o que fazemos porque queremos o que queremos. Desejos mal direcionados nos levam a pecar, ainda que sejam desejos legítimos. É legítimo desejar filhos obedientes, por exemplo; mas é pecado desejar filhos obedientes mais do que você deseja agradar a Deus.
Pecados de comportamento (palavras, ações, omissões...)
Essas são as atitudes que revelam nosso coração, manifestas no âmbito horizontal, que envolvem pessoas e precisam ser tratadas com elas (próximo passo).
Passo 3 – Ame a outra pessoa (confesse seus pecados e peça perdão –
resolução horizontal)
Reconhecer que pecou e está arrependido, aos olhos do mundo, pode parecer fraqueza, mas é o melhor lugar que podemos estar. Ao fazer isso, você amará a outra parte. O Senhor habita com o contrito de coração (Salmo 51.17; Isaias 57.15).
Passos práticos para o pedido de perdão:
Inclua todos os interessados, ou seja, apenas quem faz parte do problema ou da solução;
Evite “se”, “mas”, “talvez”, ou seja, não se justifique, foque somente no seu pecado;
Seja específico ao admitir seus erros;
Reconheça a dor do ofendido;
Aceite as consequências, se possível, restitua;
Mude seu comportamento (ou explique como pretende fazê-lo);
Peça perdão e dê tempo, pois cada pessoa reage diferente, por ofensas diferentes, em tempos diferentes.
Um aspecto importante a ser levado em consideração é a profundidade do pedido de perdão. Ao invés de ficar na superfície do “perdão por ter sido grosso”, seja mais profundo, demonstrando que você realmente pensou no que fez e está verdadeiramente arrependido: “Perdão por ter sido egoísta, por ter pensado mais em mim mesmo do que em você nessa situação. Eu queria que você fizesse ‘tal coisa’ do meu jeito, e quando você não fez daquela forma, eu fui grosso com você”.
Ainda assim, não existe garantia que uma confissão, por mais “perfeita” que seja, levará a outra pessoa a te perdoar. Caso ela não te perdoe, ou “demore” para fazê-lo, conceda mais tempo e tente uma reaproximação, sempre regado de muita oração.
Perdoar ou não perdoar
Quando alguém pecar contra você, lembre-se do perdão de Deus.
“Pois perdoarei as suas iniquidades e dos seus pecados jamais me lembrarei.”
(Jeremias 31.34b)
Deus decidiu nos perdoar, Ele foi ativo em não lembrar de nossos pecados. Não como uma “amnésia divina”, mas como um compromisso divino. Lembrar do perdão que recebemos de Deus nos constrange a perdoar como Ele nos ordena.
“Suportai-vos uns aos outros, perdoai-vos mutuamente,
caso alguém tenha motivo de queixa contra outrem.
Assim como o Senhor vos perdoou, assim também perdoai vós.”
(Colossenses 3.13)
O perdão de Deus nos capacita e serve de modelo. Capacita porque só conseguimos perdoar porque Ele nos perdoou primeiro, e modela, pois perdoamos como Ele nos perdoou.
Imagine a seguinte situação: Jorge empresta uma ferramenta para Paulo. Ao devolver, Paulo diz que quebrou a ferramenta e que não tem condições de consertá-la. Jorge diz: “Tudo bem, eu te perdoo. Vá em paz!”. O relacionamento permanece bom e sem ressentimentos. Mas há um detalhe aqui: a ferramenta continua quebrada. Jorge, ao perdoar, “assumiu o dano” causado por Paulo.
Ao decidir nos perdoar, Deus “assumiu o dano”. O preço pago pelo nosso perdão foi o precioso sangue de Cristo. Perdoar custa e sempre irá custar!
Além disso, perdoar é assumir o compromisso de não levantar mais a ofensa perdoada:
Consigo mesmo (pensar, remoer);
Perante os outros (fofocar);
Perante o ofensor (usar futuramente contra ele).
“Pois, para com as suas iniquidades,
usarei de misericórdia e dos seus pecados jamais me lembrarei.”
(Hebreus 8.12)
O perdão que liberta
O perdão que liberta é a resposta ao Evangelho nas situações em que alguém peca contra nós. A falta de perdão nos consome, dá espaço à ira e amargura, tira nossa paz, quebra relacionamentos, até mesmo relacionamentos preciosos, como cônjuges, filhos, familiares, irmãos em Cristo, amigos de trabalho. Ken Sande afirmou: “A falta de perdão é o veneno que tomamos, esperando que os outros morram”.²
Enquanto estivermos deste lado da eternidade, o perdão será algo a ser desenvolvido, pois continuaremos ofendendo e sendo ofendidos. Essa realidade só mudará no dia em que Cristo voltar ou nos levar. Até lá, que o Senhor nos dê sabedoria e graça para lidarmos com as situações do dia a dia, para podermos glorificá-lO e a vivermos como Ele nos chama.
“Sede uns para com os outros benignos, compassivos,
perdoando-vos uns aos outros,
como também Deus, em Cristo, vos perdoou.”
(Efésios 4.32)
Editorial de Dimas Rodrigo
¹ Baseado no Cap. 6 do livro Em busca da Paz, de Dr. Robert D. Jones.
² Ken Sande e Kevin Johnson: O Pacificador e os conflitos do dia a dia – pág. 101.
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