“Mas é que eu sou uma pessoa muito ansiosa”, diz Sofia às suas amigas mais próximas durante um café.
Ela havia acabado de confidenciar sua surpresa ao receber a última fatura do cartão de crédito, um valor muito além do que havia orçado com seu marido. Segundo Sofia, sua ansiedade era abrandada com umas simples comprinhas on-line: um celular novo que estava em promoção, um jogo para o filho adolescente, um livro para seu marido…
Uma de suas amigas tenta ajudar: “Mas não tem problema, foi só esse mês, né? Ainda mais com tudo o que está acontecendo na sua casa, você merece ser mimada um pouco.”
Recentemente, o marido de Sofia decidiu assumir novas responsabilidades no trabalho, que daria um dinheiro extra para comprar o carro que ele tanto queria. Com isso, sua rotina em casa tem sido definida por apatia e cansaço. Somado a isso, seu filho tem tido problemas na escola. Sofia tem tentado administrar tudo isso, mas a sensação de falta de controle sobre a situação é muito difícil de lidar; é justamente aí que sua ansiedade bate mais forte.
Existem diversos problemas nesse caso fictício, mas note que Sofia (como muitos de nós) justifica suas atitudes por uma característica pecaminosa que assume ser parte da sua natureza. Sendo cristã, Sofia pode até conhecer Mateus 6.25–34 (…não andeis ansiosos pela vossa vida…), mas essa realidade parece muito distante dela. Não se preocupar diante de coisas que fogem do seu controle e confiar plenamente em Deus parece impossível.
Parte da nossa dificuldade em navegar em situações como essa se dá por entender que o pecado faz parte da nossa personalidade, e que a ansiedade (ou qualquer outro pecado que seja particularmente difícil de lidar na nossa vida cristã) é algo que nos define como pessoa. Mas essa não é a realidade mostrada pela Bíblia. Sem menosprezar a força que o pecado tem no nosso coração, as Escrituras nos mostram que eles podem ser vencidos por meio da graça que está disponível a nós.
Nesse editorial, vamos tentar compreender um pouco mais dessa dinâmica, explorando dois pontos-chave: a profundidade do nosso pecado e a extensão do sacrifício de Cristo.
Entendendo a profundidade do nosso pecado
Por definição, pecado é uma falha em nos conformarmos aos padrões divinos para nossa vida. Isso pode ocorrer em diversas instâncias: por meio de uma disposição, pensamentos, ou motivações não alinhadas com as Escrituras (o que nos remete a uma dinâmica interna do nosso coração), ou por meio de palavras ou ações que ferem princípios dados por Deus. Porém, mesmo que pecados possam ser cometidos em qualquer dessas categorias, sua origem é sempre no coração humano.
“Mas as coisas que saem da boca vêm do coração,
e são essas que tornam o homem impuro.
Pois do coração saem os maus pensamentos, os homicídios,
os adultérios, as imoralidades sexuais, os roubos,
os falsos testemunhos e as calúnias.”
(Mateus 15.18, 19)
Isso nos ajuda a entender um pouco o porquê de o pecado ser tão difícil de lidar. Ele não é como um parasita externo, que pode ser facilmente identificado e removido. Na realidade, o pecado está entrelaçado no nosso modo de pensar, de agir (ou reagir) e de tomar decisões. É algo instintivo — a dinâmica natural (não-redimida) da nossa mente é fundamentalmente pecaminosa, em rebelião contra Deus. O apóstolo Paulo nos mostra isso de maneira clara no livro de Romanos. Ele nos diz que todos os seres humanos pecaram (Romanos 1.18–23), e que não há ninguém que possa ser chamado de justo (Romanos 3.9–20). Ele também mostra que o pecado entrou no mundo por meio de Adão (Romanos 5.12), e que desde então, todos têm sofrido seus efeitos — que culmina de maneira última na morte.
Lemos que o pecado escraviza (Romanos 6.20, 21), e que até mesmo aqueles que consideramos mais espirituais lutam contra a sua influência (Romanos 7.14–20). E não precisamos ir muito longe para entender isso: todos nós já vimos (ou experimentamos de perto) o quão doloroso e destrutivo o pecado pode ser.
Entendendo a extensão do sacrifício de Cristo
A figura da seção anterior não é bonita, mas é justamente diante dela que a obra de Cristo brilha de maneira mais intensa. E isso também é mostrado na carta aos Romanos:
“Portanto, agora já não há condenação para os que estão em Cristo Jesus,
Porque por meio de Cristo Jesus a lei do Espírito de vida me libertou da lei do pecado e da morte. Porque, aquilo que a Lei fora incapaz de fazer por estar enfraquecida pela carne, Deus o fez, enviando seu próprio Filho,
à semelhança do homem pecador, como oferta pelo pecado.”
(Romanos 8.1–3a)
Essa é uma das conclusões mais incríveis desse livro. Após mostrar o quão desamparados parecemos estar diante da realidade do pecado, Paulo inicia o capítulo 8 mostrando como o sacrifício de Cristo muda essa figura completamente. Ele deixa claro que a Lei não é suficiente para nos libertar do poder do pecado, mas que a oferta de Cristo o é. Essa é a essência do Evangelho: o sacrifício de Cristo nos encontra em meio ao lamaçal do pecado e paga o preço da nossa redenção, de maneira que agora somos declarados inocentes diante de Deus (Romanos 3.21–26). Mas seus efeitos não param por aí. Seu sacrifício também nos dá o poder para vencermos o pecado e vivermos de maneira agradável a Deus. Essa é uma parte essencial do processo de conversão, onde nosso coração em guerra contra Deus é trocado por um coração que se submete e se conforma à Sua vontade. Por meio da ação do Espírito Santo, temos o poder de rejeitar o pecado — e mesmo se pecarmos, temos um Sumo Sacerdote que intercede por nós diante do Pai e que nos limpa continuamente (Hebreus 4.14–16; 1 João 1.8–10).
Com isso em mente, podemos voltar ao caso de Sofia. Sem a ação de Cristo, não haveria outra opção de reação a não ser a ansiedade. Afinal, por que ela reagiria de maneira oposta à sua natureza? Mas, sendo alvo da obra de Cristo, ela tem a opção de lutar contra o pecado, e confiar plenamente em Deus. Deus tem o controle sobre toda a situação, e usa circunstâncias difíceis para moldar Seu caráter em Seus filhos. Não digo que isso será fácil, e todos que já lutaram contra o pecado de maneira séria irão concordar. Mas obediência sempre é uma possibilidade real para o cristão, e o pecado nunca é a única opção. Nesse contexto, faz parte do processo entender os recursos que Deus nos dá nessa batalha, que incluem a Bíblia para nos instruir (com a ajuda do Espírito Santo), e o corpo de Cristo para nos encorajar, ou confrontar quando necessário. E mesmo nos dias em que obedecer exige um esforço colossal, somos encorajados ao lembrar que o pecado estará ausente no nosso destino final:
“Então vi novos céus e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra tinham passado;
e o mar já não existia. Vi a Cidade Santa, a nova Jerusalém, que descia dos céus,
da parte de Deus, preparada como uma noiva adornada para o seu marido.
Ouvi uma forte voz que vinha do trono e dizia:
Agora o tabernáculo de Deus está com os homens, com os quais ele viverá.
Eles serão os seus povos; o próprio Deus estará com eles e será o seu Deus.
Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte,
nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou.”
(Apocalipse 21.1–4)
Editorial de Petrônio Nogueira
Comentarios