Vivemos em uma era marcada por sentimentos intensos, e frequentemente descontrolados. A ira, em particular, tem sido uma companheira constante em um mundo onde as tensões políticas, econômicas e sociais parecem estar sempre à beira de uma explosão. Nas redes sociais, na vida profissional e até mesmo em nossas casas, a ira se manifesta de formas que, muitas vezes, levam a conflitos e desavenças irreparáveis. No entanto, a maneira como lidamos com essa emoção faz toda a diferença.
E nesse cenário, terapias e várias técnicas mundanas nos são apresentadas com o objetivo de nos desviar do que realmente é importante. Em contraste a essas técnicas, que muitas vezes tratam apenas os sintomas, sem o compromisso com o coração, Cristo nos oferece a verdadeira transformação. Provérbios 29.11 nos ensina: "O tolo dá vazão à sua ira, mas o sábio domina-se". Efésios 4.31 e 32 nos exorta: "Abandonem toda amargura, indignação e ira, gritaria e calúnia, bem como toda maldade. Sejam bondosos e compassivos uns para com os outros, perdoando-se mutuamente, assim como Deus os perdoou em Cristo". Ou seja, além de não termos ira, Deus espera que tenhamos corações transformados a fim de que possamos servir aos outros em amor.
O que é a ira?
Primeiramente, é importante definirmos o que é a ira, sentimento que pode ser pecaminoso e que assim como os outros sentimentos já abordados, por vezes, não são bem geridos e acabam por nos levar a atitudes pecaminosas. A referência que mais utilizo é a de Robert D. Jones, que em seu livro “Ira, arrancando o mal pela raiz”, define como uma resposta emocional intensa a uma injustiça percebida ou a uma ameaça. Jones descreve a ira como uma emoção que, quando descontrolada, pode resultar em atitudes e comportamentos pecaminosos, e é caracterizada por uma forte sensação de indignação ou frustração, geralmente direcionada a pessoas, situações ou injustiças que o indivíduo considera erradas ou prejudiciais.
Nesse ponto, precisamos entender que a ira em si não é algo pecaminoso. Inclusive, vemos a ira de Deus em alguns relatos nas Escrituras (Êxodo 32.10; Salmo 7.11; Romanos 1.18; Efésios 5.6). Além disso, em Efésios 4.26 e 27 somos alertados: "Irai-vos, e não pequeis; não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar ao diabo".
Dessa forma, precisamos distinguir a ira pecaminosa da ira justa. Abordaremos como ira justa e ira injusta.
A ira justa
A ira pode ser justa quando está alinhada com a justiça e a santidade de Deus. A ira justa é uma resposta apropriada ao pecado, à injustiça e à maldade. É uma emoção que reflete a indignação de Deus diante da violação de Seus mandamentos e da destruição que o pecado causa. A ira justa é caracterizada por:
Motivos puros: surge de um zelo pela santidade de Deus e pelo bem-estar das pessoas. Não é motivada por egoísmo ou desejo de vingança, mas sim por um desejo de ver a justiça prevalecer.
Controle e propósito: é controlada e direcionada para um propósito redentor. Ela busca corrigir o erro e restaurar a justiça, em vez de causar destruição ou promover ressentimento.
Em Mateus 21.12 e 13 temos o relato da indignação de Jesus no templo. Jesus demonstrou ira justa ao expulsar os cambistas do templo. Sua indignação foi dirigida contra a profanação da casa de Deus. O foco não estava em Suas preferencias ou desejos, mas sim na obra de seu Pai.
A ira injusta
Por outro lado, a ira injusta é aquela que é motivada por egoísmo, orgulho, ressentimento ou vingança. Essa forma de ira é pecaminosa e destrutiva, tanto para quem a sente quanto para aqueles ao seu redor, caracterizada por:
Motivos egoístas: é frequentemente motivada por desejos egoístas, como a busca por controle, poder ou satisfação pessoal.
Descontrole: é frequentemente descontrolada e impulsiva, levando a ações e palavras que ferem e destroem.
Ressentimento e vingança: alimenta ressentimento e busca vingança, em vez de reconciliação e perdão.
Enquanto a ira justa é uma característica de Deus, a ira injusta é costumeiramente vista em nossos corações pecaminosos. Nossa ira frequentemente é uma emoção intensa devido a uma “injustiça” contra nós ou aos nossos desejos. E com relação a esse sentimento pecaminoso, Deus nos exorta severamente para que o abandonemos.
O impacto e o papel da ira no Evangelho
E mesmo a ira sendo aparentemente apenas um sentimento, através de sua dupla manifestação (pecaminosa ou não), ela possui dois papéis: serve como um lembrete da justiça de Deus e de Sua aversão ao pecado, mas também como uma advertência para que reconheçamos nossas próprias limitações e vulnerabilidade ao pecado quando ficamos irados.
A ira justa:
Promove a justiça e a retidão: reflete a ira de Deus, é motivada pela defesa da justiça e da santidade. Ela resulta em ações que promovem a justiça, corrigem o erro e restauram a ordem conforme a vontade de Deus (Isaías 1.17; Miqueias 6.8).
Glorifica a Deus: é alinhada com o caráter de Deus. É uma resposta contra o pecado e a injustiça, como visto em Jesus quando purificou o templo (Mateus 21.12 e 13).
Edifica a comunidade e protege os vulneráveis: podendo resultar em ações que protegem os inocentes e corrigem aqueles que causam danos. Isso promove o bem-estar da comunidade e protege os mais fracos (Provérbios 31.8 e 9).
A ira injusta:
Ruptura de relacionamentos: tende a criar divisões, ressentimento e amargura entre as pessoas. Ela pode destruir amizades, casamentos e até mesmo comunidades inteiras.
Pecado e separação de Deus: leva ao pecado, seja através de palavras ásperas, ações violentas ou pensamentos amargurados. Isso cria uma barreira entre a pessoa e Deus, prejudicando sua vida espiritual (Salmo 37.8; Tiago 1.20).
Como lidar com a ira à luz do Evangelho
Conforme vimos os impactos distintos entre os dois sentimentos, considerando também que o nosso objetivo é nos tornarmos cada vez mais parecidos com Cristo, precisamos entender como lutar contra a ira injusta, uma vez que a identificamos:
Reconheça a ira: o primeiro passo para lidar com a ira é reconhecê-la. Isso envolve admitir que você está irado e a identificar as causas subjacentes. Reconhecer a ira é essencial para evitar que ela se manifeste de maneira destrutiva.
Confesse e se arrependa: quando a ira é identificada como pecaminosa, é crucial confessá-la a Deus e arrepender-se. A confissão não só limpa a consciência, mas também abre o caminho para a cura espiritual (1 João 1.9).
Ore e busque orientação: a oração é uma prática fundamental para lidar com a ira. Devemos levar a ira diante de Deus, buscando Sua orientação e força para lidar com as emoções de forma correta.
Medite na Palavra: meditar na Palavra de Deus ajuda a moldar as atitudes e reações, orientando o crente a responder com graça e paciência, ao invés de ira (Salmo 119.11; Josué 1.8).
Cultive a humildade e a paciência: remova as roupas do velho homem e revista-se do novo homem. Se antes se irava, agora cultive e pratique a humildade e a paciência. Através da meditação na Palavra e relacionamento com Deus, isso será possível, mesmo que difícil (Colossenses 3.12 e 13).
Busque reconciliação: caso tenha pecado contra alguém, reconcilie-se primeiramente com Deus, através da confissão e busque reparar o dano ao irmão ofendido (Mateus 5.23 e 24; Romanos 12.18).
Lidar com a ira à luz do Evangelho requer intencionalidade e dependência de Deus. Um relacionamento diário com Deus é a chave inicial para que consigamos nos despir da ira injusta.
Que os nossos corações sejam cada vez mais longânimos para honra e glória de Jesus. Amém!
Editorial de Rafael Ceron
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