Na caminhada da vida, todos passaremos por situações em que um questionamento surgirá em nosso coração: ''como Deus pôde permitir isso?''. Alguns sofrimentos são consequências de nossos próprios pecados, alguns dos pecados de outros e outros parecem nem ter explicação. Vivendo em um mundo mau, dominado pelo pecado e repleto de sofrimento, sendo nós mesmos pecadores e limitados em nossas percepções, a ira contra Deus pode se tornar muito real e presente. Portanto, devemos refletir: O que é a ira? Irar-se contra Deus é pecado? Qual o caminho de Deus para aqueles que se iram contra Ele? Como a vida de Jesus nos ensina a lidar com a nossa ira?
O que é a ira?
A Bíblia não traz uma definição formal, mas retrata em muitos lugares a ira humana: Caim em Gênesis 4.5; Esaú em Gênesis 27.41; Davi em 2 Samuel 6.8 e 12.5; Jonas em Jonas 4.1; Herodes em Mateus 2.16; líderes religiosos em Mateus 21.15, apenas para citar alguns. Sendo assim, a partir do que a Bíblia revela sobre a ira, o Dr. Robert D. Jones nos auxilia com uma definição: ''Nossa ira é nossa resposta ativa e integral a um juízo moral negativo contra um mal por nós percebido''. Encorajo você a ler os textos citados e a observar como esta definição sobre a ira ajuda a identificar e interpretar suas manifestações.
Vamos entender a definição sobre a ira:
É uma ''resposta ativa'', pois é algo que fazemos, não algo que temos. A Bíblia retrata pessoas praticando a ira e não pessoas que têm a ira (como se fosse uma doença).
É ''integral'', pois envolve o ser humano por completo (suas crenças, motivações, desejos, comportamento). A ira nunca é apenas ''um sentimento inofensivo''. Ela começa em nosso coração e nos envolve por inteiro.
É a ''resposta de um juízo moral negativo contra um mal por nós percebido'', pois é resultado de nosso senso de justiça que avalia determinada situação e emite um juízo moral e pessoal: ''isso é injusto!''. O ''mal'' que por nós é percebido (sentido) é aquilo que nos priva de um bem que desejamos, seja ele legítimo ou não. Ou seja, a ira acontece quando circunstâncias ou pessoas impedem nossos desejos!
Irar-se contra Deus é pecado?
Ao pensar em ira contra Deus podemos lembrar do relato bíblico do profeta Jonas. Ele recebeu uma missão: pregar aos ninivitas, um povo perverso, para que eles se arrependessem. Mesmo tentando fugir, Deus ''arrastou'' Jonas até Nínive e ele pregou para a cidade. Deus agiu misericordiosamente e o povo se arrependeu. Mas Jonas ficou furioso. Diz o texto:
“Mas Jonas ficou profundamente descontente com isso e enfureceu-se.
Ele orou ao Senhor: Senhor, não foi isso que eu disse quando ainda estava em casa?
Foi por isso que me apressei em fugir para Társis.
Eu sabia que tu és Deus misericordioso e compassivo, muito paciente,
cheio de amor e que promete castigar, mas depois se arrepende.
Agora, Senhor, tira a minha vida, eu imploro,
porque para mim é melhor morrer do que viver.
O Senhor lhe respondeu: Você tem alguma razão para essa fúria?"
(Jonas 4.1–4)
O profeta tinha um desejo: ver o povo de Nínive sofrer a destruição. Ele tinha convicção de que aquele povo não merecia ser poupado. Deus contrariou esse desejo estendendo Sua misericórdia sobre eles. Jonas reagiu fazendo um juízo moral e pessoal negativo sobre a ação de Deus. Poupar os ninivitas era um ''mal'' aos olhos de Jonas. Como resultado, ficou profundamente irado, e irado contra Deus, a ponto de desejar morrer.
Perceba que por trás da ira de Jonas está a acusação contra Deus de que Ele cometeu um erro, uma injustiça por ter concedido bondade imerecida aos ninivitas. A dinâmica de nossa ira revela que, quando nos iramos contra Deus, estamos agindo mediante um coração envenenado com a ideia de que Deus não deveria ter feito o que fez, da maneira que fez ou quando fez. Negamos Sua bondade, poder e sabedoria, e arrogantemente nos colocamos na posição de julgá-lO — pior ainda, nós O condenamos. Além disso, em nossa ira esquecemos inclusive o bom propósito de Deus no sofrimento: aprender a amar os Seus decretos (Salmo 119.71). Portanto: sim, é pecado irar-se contra Deus!
Qual o caminho de Deus para aqueles que se iram contra Ele?
Diante de qualquer pecado o caminho de Deus para nós é o arrependimento. Como nos arrependemos da ira contra Deus? Uma vez que identificamos o engano em que caem aqueles que se iram contra Deus, devemos abandonar o engano e crer na verdade. A verdade sobre Deus é: Ele é Poderoso (Salmo 46; Hebreus 13.5 e 6), Amoroso (Salmos 84.11; 86.5–7) e Justo (Salmos 71.19–23; 119.137). Ele é infinitamente Sábio e nós somos incrivelmente limitados naquilo que podemos observar e entender (Jó 12.12 e 13; Romanos 11.33). Por isso, devemos deixar a arrogância e nos humilhar sob a Sua poderosa mão (1 Pedro 5.5–7). Uma postura de confiança e humilde submissão diante de desígnios que não podemos entender é a marca de uma fé madura.
Como a vida de Jesus nos ensina a lidar com a nossa ira?
Considere a mansidão de Jesus. Todo sofrimento para o cristão ganha significado quando encarado sob a perspectiva de que o próprio Senhor Jesus veio para sofrer. Nossa ira contra Deus quando Ele não atende supostos ''direitos'' é confrontada pelo fato de que Jesus não teve direito algum. O indivíduo manso, usando as palavras de Martyn LLoyd Jones, é aquele que ''se anulou completamente, como se não tivesse direitos e nem merecimentos seja no que for''.
Então, considere: Jesus é Aquele que embora sendo Deus esvaziou-se e assumiu a posição de escravo. Humilhou-se e foi obediente até à morte de cruz (Filipenses 2.6–8). Ele não reivindicou direitos! Pelo contrário, assumiu para Si toda a nossa injustiça. Essa foi a mansidão de Jesus.
Portanto, em meio ao sofrimento, mesmo aquele que não podemos entender, consideremos firmemente Jesus e o tamanho escárnio que Ele experimentou para que pecadores como nós fossem perdoados (Hebreus 12.1–3; 1 Pedro 2.22 e 23). A cruz é a prova definitiva do amor de Deus por nós, e a ressurreição a garantia de que Ele estará ao nosso lado em meio aos sofrimentos. Oremos para que Deus nos conceda graça de exercer a mansidão que faz parte do caráter do cidadão do Reino de Deus (Mateus 5.5)!
Editorial de Matheus Carneiro
Referências bibliográficas:
- D. JONES, Robert. Ira: arrancando o mal pela raiz.
- LLOYD-JONES, D. Martyn. Estudos no Sermão do Monte.
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