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O Anfitrião do Salmo 23

Chegamos agora ao final de nosso estudo sobre o Salmo 23. Talvez você esteja se perguntando “qual a razão do termo anfitrião, o Salmo não fala somente do pastor?”. Na realidade há uma grande discussão sobre isso. Não vou entrar nos pormenores, apenas quero colocar aqui aquilo que tenho aprendido e considerado.

 

No versículo 5, a imagem do Senhor sendo um Pastor de Suas ovelhas muda para o Senhor sendo um anfitrião para Seu hóspede. Do pastor que está no campo com suas ovelhas, passamos para o pastor que está em sua tenda hospedando um convidado. A relação entre um anfitrião e o seu convidado é ainda mais pessoal e íntima do que aquela entre um pastor e as suas ovelhas.        

 

Nestes versículos 5 e 6 encontramos três verdades que o Senhor, como anfitrião, faz por seu convidado.

 

1) O Senhor como anfitrião oferece proteção contra os inimigos

 

“Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários.”

 

Na cultura do Antigo Oriente Próximo, receber convidados implicava em prover alimentação e proteção. Era algo muito sério para o anfitrião quando seus hóspedes eram ameaçados ou a integridade física deles estava em risco. Vemos algo nesse sentido quando Ló recebe a visita dos anjos em Sodoma. Os habitantes dessa cidade queriam fazer mal aos hóspedes de Ló que tentou resolver a questão oferecendo suas filhas para manter os anjos seguros. Veja como o texto narra esse episódio: “Rogo-vos, meus irmãos, que não façais mal; tenho duas filhas, virgens, eu vo-las trarei; tratai-as como vos parecer, porém nada façais a estes homens, porquanto se acham sob a proteção de meu teto” (Gênesis 19.7 e 8).

 

Um anfitrião cuidadoso e amoroso jamais permitiria que seus convidados fossem colocados em perigo. Tal anfitrião é o Senhor para Davi e para nós. O Senhor nos protege de nossos inimigos mesmo às custas de Seu único Filho!

 

2) O Senhor como anfitrião provê alimento com fartura

 

“Preparas-me uma mesa.”

 

A mesa é um banquete que o anfitrião oferece. Ele assumia toda responsabilidade para prover e suprir as necessidades de seu convidado. Há também o aspecto cultural de que a mesa significa um convite para a comunhão. A imagem é da realização da comunhão final com o próprio Deus. Sentar-se à mesa do Senhor é desfrutar de comunhão, e comunhão com Ele. Fazer isso "na presença de meus adversários" é ter um relacionamento especial com Deus declarado publicamente em um contexto de bênção e segurança divinas.

 

Note prezado leitor, se Cristo pode me sustentar, e sustentar mesmo na presença de meus inimigos, então existe alguma circunstância em que Cristo não possa ou não queira sustentar Sua ovelha?

 

3) O Senhor como anfitrião é sempre presente

 

“Bondade e misericórdia certamente me seguirão todos os dias da minha vida.”

 

A primeira parte do versículo é uma imagem encantadora. A partícula hebraica no início do versículo 6 pode afirmar (certamente) ou restringir (somente). Eu prefiro o último, mas pode acontecer de qualquer maneira. Mas a tradução usual “seguir” é muito fraca para o verbo — deveria ser “perseguir”. É um verbo hebraico comum frequentemente usado para perseguir inimigos, seja, por exemplo, Faraó perseguindo Israel (Êxodo 14.8 e 9), ou Israel perseguindo os midianitas (Juízes 7.23, 25). Aqui Davi dá um toque divertido ao verbo. Ele diz que o que o “perseguirá” será a “bondade” (do hebraico tôv) e a “misericórdia” (hesed) de Yahweh. Davi diz que é como se Yahweh tivesse os seus dois agentes especiais que Ele envia, ṭôv e ḥesed, e estes agentes estão em perseguição de Davi, procurando alcançá-lo, emboscá-lo, e persegui-lo “todos os dias da sua vida”, quem precisa temer esses amados agentes?¹

 

Agora, o versículo 6a não é apenas uma imagem, mas uma convicção de fé: “Somente a bondade e o amor fiel me perseguirão todos os dias da minha vida”. Isso não é incrivelmente ingênuo? Não no contexto do Salmo. O Davi que diz sobre a bondade e a misericórdia do Senhor, também escreveu sobre as circunstâncias terríveis. Ele fez um balanço completo do vale da sombra da morte (versículo 4) e da presença de inimigos (versículo 5); ele não está ignorando ou encobrindo nada. E, no entanto, ele ainda diz: “Somente bondade e misericórdia…” Há uma certa química na experiência de crença que pode combinar fatos brutos com fé flutuante. Talvez a ilustração a seguir ajude a compreender melhor isto.

 

No verão de 1680, Alan Cameron, estava na prisão em Edimburgo e não sabia que seu filho Richard havia sido morto em batalha em Airds Moss. Um policial abriu a porta e jogou no chão uma cabeça e duas mãos ensanguentadas e gritou: “Você sabe de quem são?” Cameron pegou as mãos ensanguentadas sobre os joelhos e segurou-as. “Sim”, ele disse, “eles são do meu filho, do meu querido filho”. E então ele continuou: “Bom é o Senhor, que nunca poderia fazer mal a mim ou aos meus, e fez com que a bondade e a misericórdia me seguissem todos os dias da minha vida”. Isso pode expandir nossas mentes, mas vales (versículo 4), inimigos (versículo 5) e aparentemente partes do corpo não negam a verdade do versículo 6a.²

 

Circunstâncias por mais difíceis e duras que experimentamos jamais podem negar a verdade do Salmo 23! Nossa falha é tentar determinar a bondade e a misericórdia do Senhor usando as lentes das situações aflitivas que experimentamos deste lado do paraíso. Não podemos definir o caráter do Senhor (bondade, misericórdia, amor leal, graça...) baseados em nossa dor. As Escrituras afirmam: Deus é bom e sua misericórdia dura para sempre! Essa é uma verdade perene e imutável.

 

Portanto, quando o fardo se tornar mais pesado, quando as provas se tornarem mais duras, quando as chamas da fornalha da aflição aumentarem sete vezes, lembre-se: a bondade e a misericórdia de Deus, são obstinadas e determinadas na sua perseguição, e Deus as enviou atrás de você. “Tu me cercas por trás e por diante e sobre mim pões a mão” (Salmo 139.5).

 

Agora há também uma perspectiva que precisamos captar no versículo 6b. O versículo 6a tem a ver com “todos os dias da minha vida”. Então, em 6b lemos: “E habitarei na casa do Senhor para todo o sempre”.

 

Querido leitor, aqui temos algo por demais precioso, a saber, que o pastoreio de Cristo nos  leva em segurança para a eternidade! Por causa da obra de Jesus, nosso bom Pastor, habitaremos na casa do Senhor para sempre, “Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar” (João 14.2).

 

Quero finalizar este texto com uma canção que particularmente amo. A letra é profunda e aponta para o caráter do bom Pastor:

 

Te amo, Deus, tua graça nunca falha

Todos os dias eu estou em tuas mãos

Desde quando me levanto até eu me deitar

Eu cantarei da bondade de Deus

És fiel em todo tempo

Em todo tempo tu és tão, tão bom

Com todo fôlego que tenho

Eu cantarei da bondade de Deus

Tua doce voz

Que me guia em meio ao fogo

Na escuridão tua presença me conforta

Eu sei que és meu Pai, que amigo és

E eu vivo na bondade de Deus

 

Editorial do Pr. Fábio Moreira         

¹ Dale Ralph Davis, Slogging along in the paths of righteous: Psalms 13–24 (Scotland, UK: Christian Focus Publications, 2014), 171.

² Dale Ralph Davis, Slogging along in the paths of righteous: Psalms 13–24 (Scotland, UK: Christian Focus Publications, 2014), 171–172.

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