Sobre a série: Uns aos outros.
Durante o ano de 2020, temos refletido de forma intencional sobre "ser e fazer discípulos". Visitamos passagens bíblicas que instruem sobre a vida do discípulo e a prática de fazer discípulos. Reconhecemos que precisamos entender o que é um discípulo e como discipular pessoas e acabamos por redescobrir a simplicidade de nossa fé e passos práticos para o discipulado ao alcance de todos. Dentro dos assuntos tratados, é importante identificarmos as características da comunidade dos discípulos de Jesus Cristo. Ao longo da história da Igreja Batista Maranata, chamamos essas características de "mutualidades". Durante esta série traremos reflexões sobre os mandamentos bíblicos de reciprocidade, marcados pelos mandamentos conhecidos como "uns aos outros". A vida do discípulo acontece numa comunidade marcada por práticas que testemunham do caráter de Deus e Sua obra de salvação que nos transforma para o testemunho do Evangelho.
Levem o fardo uns dos outros
O estudo de hoje terá como foco Gálatas 6.1–5. Convido a todos a lerem este trecho em atitude de oração para que possamos refletir em alguns de seus princípios, aplicando-os principalmente ao tema de nossa série de editoriais.
Confrontação humilde
A passagem começa falando sobre a identificação de uma falta cometida por algum irmão. Quando isso acontece, há uma necessidade de, como irmãos, corrigi-lo para que ele saia dessa condição de pecado.
Em toda a passagem, notamos que Paulo toma muito cuidado ao falar disso, já que há uma tendência em nós de agirmos de forma orgulhosa quando vemos alguma atitude pecaminosa, colocando-nos em posição de superioridade com relação à pessoa que a prática.
Crentes espirituais
Dessa forma, o primeiro versículo nos adverte sobre a necessidade de estarmos em total dependência do Espírito ao realizarmos qualquer tipo de correção. Nos versículos anteriores (Gálatas 5.25, 26), Paulo fala justamente sobre a necessidade de andarmos e vivermos no Espírito, sem qualquer tipo de vanglória.
Ser espiritual não significa, de forma alguma, pertencer a uma classe superior de crente. Pelo contrário, todo crente tem que ser espiritual, isto é, guiado pelo Espírito. Isso quer dizer que o fruto do Espírito, detalhado no capítulo anterior (Gálatas 5.22, 23), deve estar presente, principalmente a mansidão. A palavra grega para mansidão [πραΰτης] possui o mesmo radical grego da palavra brandura [πραΰτητος], que é a forma com que temos de conduzir a confrontação e correção de nossos irmãos em pecado (Gálatas 6.1).
Restauração do cansado
Analisando mais um pouco os vocábulos gregos, vemos que o conceito de fruto [καρπὸς] está presente de uma forma semelhante em Hebreus 12.11, sendo que os versículos seguintes têm uma relação bastante clara com Gálatas 6.2:
“Por isso, restabelecei as mãos descaídas e os joelhos trôpegos;
e fazei caminhos retos para os pés, para que não se extravie o que é manco;
antes, seja curado.”
(Hebreus 12.12, 13)
Pessoas que levam pesadas cargas (Gálatas 6.2) têm “as mãos descaídas e os joelhos trôpegos”. Nós somos chamados a curar e a restaurar estas pessoas. Por isso, é importante entendermos o que Paulo queria dizer com a palavra carga [βάρη].
Fardos pesados
Jesus nos adverte em Mateus 23.4 sobre os “pesados fardos” [βαρέα] que os fariseus atavam sobre os ombros dos homens. Tais cargas eram tradições que eles impunham por motivos meramente externos, para terem a aparência de devoção (Mateus 23.5–7). Eram leis pesadas que não tinham valor algum, pois eram praticadas com hipocrisia, negligenciando aquilo que realmente importava. Tais fardos eram o oposto da lei que Cristo pregava, já que os mandamentos de Deus não são em nada penosos [βαρεῖαι] — não são um fardo:
“Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos;
ora, os seus mandamentos não são penosos.”
(1 João 5.3)
Com essas cargas, os fariseus alimentavam um sentimento de culpa e impureza nas pessoas, ao mesmo tempo em que se colocavam como exemplos de pureza e retidão, o que se resumia ao seu exterior.
Lei de Cristo
Nesse versículo, e em todo o capítulo 5 de 1 João, vemos uma clara conexão entre a lei e o amor. Isso é bem interessante, pois, alguns versículos antes de nossa passagem, Paulo fala justamente disso:
“Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber:
Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”
(Gálatas 5.14)
Ou seja, em vez de nos preocuparmos com leis pesadas, devemos nos dedicar a amarmos uns aos outros, o que é cumprido exatamente quando carregamos os fardos uns dos outros. Paulo afirma que isso nos faz cumprir a “Lei de Cristo” (Gálatas 6.2), a qual também pode ser vista em João 13.34.
Ajuda amorosa
Ao contrário do que os fariseus faziam, aumentando os fardos das pessoas, nós somos chamados a amá-las, ajudando-as a carregar os fardos que já têm. No contexto de Gálatas 6, podemos relacionar essas cargas a pecados com que nossos irmãos têm de lidar, lutando contra tentações que os assediam e a nós também. O crente possui várias outras cargas, as quais podemos ajudar a carregar, como enfermidades, problemas financeiros ou familiares, mas não devemos subestimar o poder destruidor do pecado na vida de uma pessoa.
Por todo o texto, fica claro que não podemos supor que o pecado de nossos irmãos os faz piores do que nós. Primeiro, porque não somos nada (Gálatas 6.3). Segundo, porque Deus não nos compara uns com os outros, antes, Ele olha unicamente para o que cada um faz (Gálatas 6.4). Terceiro, porque cada um é o responsável último pela obra de suas mãos e ser menos pecador do que outras pessoas não eliminará os pecados cometidos individualmente (Gálatas 6.5).
De forma prática, nossa responsabilidade para com nossos irmãos inclui amá-los de forma a corrigi-los quando necessário. Entretanto, isso não deve ser feito de forma impaciente e sem a dedicação de ajudá-los a lidar com suas fraquezas. Quando olhamos para Cristo, o sentimento de culpa deve ser eliminado, pois Ele já pagou o preço por todos as nossas falhas e pecados.
Editorial de André Negrão
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