Dando continuidade à série baseada no livro “A Vida Centrada no Evangelho”, vamos entender como o Evangelho se relaciona com a Lei, tema abordado pelos autores no capítulo 4.
Qualquer leitor percebe que a Bíblia está cheia de mandamentos e proibições, os quais chamaremos de Lei. Muitos entendem que o desejo de Deus é apenas a estrita observância da Lei. Por outro lado, aprendemos também que não somos salvos pelas obras da Lei, e sim pela graça. Todo nosso esforço para seguir a Lei não é o suficiente para alcançarmos a salvação.
Afinal, se nosso relacionamento com Deus só é possível através da graça e não pelas obras, será que se esforçar para obedecer a Lei realmente importa? Essa dualidade permeia boa parte do cristianismo, e são dois opostos igualmente destrutivos. Eles são chamados de legalismo e a licenciosidade.
Legalismo x Licenciosidade¹
Os “legalistas” vivem buscando a aprovação de Deus através do cumprimento da Lei, enquanto os “licenciosos” desprezam boa parte da Lei alegando que, uma vez que estão debaixo da graça, a Lei é apenas um “capricho” da vida cristã e que não há necessidade de ser levada tão a sério. Entenda da seguinte forma:
Legalismo: você pode se esforçar ao máximo para não mentir. Isso é o que significa viver sob a Lei. Inevitavelmente, você descobrirá que não consegue “não mentir”, mesmo quando rebaixar o padrão daquilo que entende ser mentira.
Licenciosidade: você pode admitir que não tem como obedecer a um determinado mandamento e simplesmente o descarta como se fosse apenas um ideal bíblico. Pensar dessa forma significa abusar da graça de Deus e ceder ao pecado.
Vou aprofundar um pouco mais com uma colocação de Martinho Lutero sobre o assunto: “Cumprir a lei é fazer Suas obras com prazer e amor...”.
Todos nós já vivemos o suficiente para descobrir que “viver a Lei” não é nada fácil e, por vezes, desagradável. Amar o próximo requer esforço, não cobiçar é humanamente impossível, não mentir geralmente só é fácil quando não nos custa, compartilhar um brinquedo no maternal com o amigo é muito difícil, e a lista continua.
Logo vemos que fazer as obras da Lei com prazer e amor é impossível por nós mesmos. São sentimentos opostos do nosso coração com relação à Lei. Jeremias 17.9 diz que o nosso coração é enganoso e desesperadamente corrupto. Romanos 3.9–18 declara abertamente nossa podridão e rebeldia contra a Lei.
Como o Evangelho equaciona essa tensão?
“Agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu;
Dentro do meu coração, está a tua lei.”
(Salmo 40.8)
Vimos que não podemos amar a Lei de Deus nem viver a Sua vontade. Davi, porém, no Salmo 40, declara que fazer a vontade de Deus lhe é agradável e que ele ama Sua Lei.
Como podemos equacionar essa dualidade?²
Deus diz: Não dar falso testemunho (ou outro mandamento qualquer).
Eu não consigo obedecer: descubro que por mais que eu me esforce, não sou capaz de obedecer a Lei, pois sou pecador.
Jesus conseguiu obedecer: Ele obedeceu plenamente a Lei, e como nosso substituto fez o que deveríamos fazer, a fim de que Deus pudesse nos aceitar (2 Coríntios 5.17 e 18).
Porque Jesus obedeceu e agora vive em mim, e porque sou aceito por Deus, agora sou livre para obedecer a esse mandamento por sua graça e poder que operam em mim.
Primeiramente, o Evangelho (e somente o Evangelho) nos torna conscientes da nossa desobediência. O início da vida cristã é tomar ciência de que estamos mortos em nosso pecado (Romanos 3.23), e que nossa desobediência nos coloca sob maldição e condenação (Gálatas 3.10).
Também pelo Evangelho, somos livres da maldição da Lei. O Evangelho (que significa “boa notícia”) nos torna livres da culpa (não inocentes, mas JUSTIFICADOS) pela obra redentora de Jesus na Cruz (Gálatas 3.13 e 14). Quando aceitamos a Jesus como nosso único e suficiente salvador e nos entregamos a Ele, somos salvos da ira e libertos para amar (Romanos 10.9–13).
Por fim, pelo Evangelho, Deus nos envia seu Espírito Santo para habitar em nós, transformando nosso coração e nos capacitando a amar verdadeiramente a Deus e as pessoas.
Um cristão genuíno obedece a Lei de Deus não por obrigação, mas por amor (a Deus e ao próximo). Tanto o legalismo como a licenciosidade são fundamentalmente egocêntricos. Não há prazer em Deus na Lei, mas pelo “cumprimento ou liberdade” que eles representam.
Conclusão
Somos incapazes de viver a Lei. Se tentarmos viver pela Lei, não estamos vivendo à luz do Evangelho. Mas se desconsiderarmos a Lei, não experimentamos o poder do Evangelho que nos transforma e nos ajuda a obedecer a Lei.
A Lei nos impulsiona em direção ao Evangelho
e o Evangelho nos liberta para obedecermos a Lei.
Jesus viveu e obedeceu plenamente a Lei, e como Ele vive em nós através do seu Espírito Santo, nos tornamos livres para obedecer a Lei, não mais por obrigação, mas por prazer e amor.
Como ainda lutamos contra o pecado, entramos em um processo chamado de santificação. Como vimos no capítulo 1, à medida que vivemos, a percepção de nosso pecado vai aumentando, e em paralelo, a percepção da santidade de Deus também aumenta.
Gráfico da Cruz³
Quando minimizamos a Lei, diminuímos a cruz e a graça de Deus. Não podemos baixar nosso padrão de santidade. Devemos nos achegar ao Senhor.
Mais do que obediência, Ele quer um relacionamento íntimo conosco!
Para pensar
Identificamos dois tipos de justiça contrastados neste texto. Você se identifica com algum deles?
Como o Evangelho pode te ajudar a deixar de buscar justiça própria e se apropriar da obra redentora da cruz?
Existe algum “legalismo” na sua vida que você tem buscado para alcançar o favor de Deus? Ou alguma “licenciosidade” de sua parte que te impede de crescer em santidade?
Escreva um parágrafo reconhecendo no mínimo dois pontos em que você se considera legalista e dois pontos em que você se considera licencioso, e quais passos práticos você deve adotar.
Editorial de Dimas Rodrigo
¹ THUNE, Robert H.; WALKER, Will, A Vida Centrada no Evangelho, São Paulo: Vida Nova, 2017, p. 44.
² Ibid., p. 44.
³ Ibid., p. 48.
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