Temos estudado lições valiosas sobre o que é uma vida centrada no Evangelho. Até aqui, vimos que a ótica do Evangelho deve envolver nossa vida por completo em uma crescente consciência da nossa própria pecaminosidade e da infinita santidade de Deus. Diante dessa realidade, vimos ser impossível conquistar a aprovação de Deus por fingimento e desempenho: nossa justiça está em Cristo e em mais nada.
Nossa identidade está segura na obra de Jesus, e por causa disso podemos amar a boa e perfeita Lei de Deus. A Lei, ao apontar nosso pecado, não nos condena mais, mas nos chama ao verdadeiro arrependimento.
O falso arrependimento
O falso arrependimento é marcado por um desejo autocentrado, que foca no alívio das consequências e da culpa desconsiderando a perversidade dos próprios atos. Não considera sinceramente a ofensa contra Deus nem a profundidade do impacto no próximo. Para exemplificar, considere uma situação trazida pelos autores do livro ''A Vida Centrada no Evangelho'', onde uma pessoa magoa a outra com palavras grosseiras. Ela diz: ''Desculpe-me por ter magoado você, eu não deveria ter falado aquilo. Você me perdoa?''. Será que este pedido de perdão reflete uma séria consideração do pecado cometido contra Deus e o impacto dele no outro? Reflete uma séria consideração da origem desta atitude pecaminosa como algo mais profundo do que o mero comportamento? Considera o pecado por trás do pecado? Como escreveu o puritano inglês Thomas Watson ''até o ímpio pode afligir-se por um pecado escandaloso, mas o verdadeiro arrependido lamenta os pecados ocultos em seu coração''. Ira, inveja, amargura e diversos outros pecados não confessados e não tratados podem estar agindo e culminando na atitude grosseira.
Podemos identificar no falso arrependimento dois grandes equívocos: um pensamento elevado demais a respeito de si mesmo e o pensamento que temos o poder de mudar por nossas próprias forças.
Consegue se identificar nessas frases?
"Eu não acredito que fiz isso! Não é assim que eu realmente sou!'" (pensamento elevado a respeito de si mesmo).
"Eu nunca mais vou fazer isso, prometo agir diferente'' (confiança em si mesmo).
Essas formas de pensar nos leva a sermos muito tolerantes a respeito do nosso próprio pecado e muito críticos em relação ao pecado do próximo, o que é totalmente contrário ao caráter de Deus — e, consequentemente, totalmente contrário ao verdadeiro arrependimento.
O verdadeiro arrependimento
O verdadeiro arrependimento, fazendo uso das palavras de Thomas Watson, é ''uma graça do Espírito de Deus pela qual o pecador é movido a humilhar-se interiormente e é reformado visivelmente''. Como tal, possui as seguintes distinções:
a) É focado na ofensa contra a santidade de Deus:
‘’Contra ti, só contra ti, pequei e fiz o que tu reprovas,
de modo que justa é a tua sentença e tens razão em condenar-me.''
(Salmo 51.4)
Todo pecado é contra o nosso Deus Santo. A gravidade de uma ofensa é medida pela dignidade e autoridade do ofendido. Nosso pecado é uma rebeldia contra o Santíssimo e Todo-Poderoso Deus. Por isso o preço do pecado é eterno e impagável para os pecadores. O único suficiente é Jesus! O verdadeiro arrependimento não considera nenhum pecado pequeno.
b) É motivado por uma tristeza segundo Deus:
''A tristeza segundo Deus produz um arrependimento que leva à salvação e não remorso,
mas a tristeza segundo o mundo produz morte.
Vejam o que esta tristeza segundo Deus produziu em vocês: que dedicação,
que desculpas, que indignação, que temor, que saudade, que preocupação,
que desejo de ver a justiça feita! Em tudo vocês se mostraram inocentes a esse respeito.“
(2 Coríntios 7.10 e 11)
Uma tristeza proveniente de Deus nos move para Ele e produz devido fruto de arrependimento. Não é uma tristeza egoísta gerada apenas pelo desejo de se ver livre das consequências do pecado, mas cria no arrependido um desejo verdadeiro pela justiça e que aceita o sofrimento confiando inteiramente no perdão de Deus. Quantas lágrimas já derramamos nesta vida? E quantas foram por ter pecado contra o Deus Altíssimo? Precisamos nos arrepender até de nossa tristeza egoísta.
c) É direcionado ao coração:
''Cria em mim um coração puro, ó Deus,
e renova dentro de mim um espírito estável.''
(Salmo 51.10)
A transformação exterior é consequência de um coração purificado. Uma conduta casta com um coração movido por desejos egoístas não tem valor diante de Deus (Salmo 51.17).
d) Olha para Jesus para ser liberto:
Até o arrepender-se é uma graça de Deus. Só o Senhor convence o coração humano corrompido. Só Ele nos livra de cair novamente. Devemos olhar para Jesus e confiadamente crer que o arrependimento genuíno é possível graças ao poder dEle em nós (Atos 3.19 e 20).
O arrependimento como estilo de vida
''Os que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a carne,
com as suas paixões e os seus desejos.''
(Gálatas 5.24)
O arrependimento é um ato continuado e um chamado à crucificação da carne. É um processo que dura por toda a vida, visto que o pecado também. Para praticarmos o arrependimento genuíno:
a) Admitimos que pecamos contra Deus;
b) Confessamos nosso coração egoísta e orgulhoso que tende ao falso arrependimento;
c) Discernimos nossas motivações ocultas (os pecados por trás dos pecados) e nos arrependemos delas;
d) Recebemos o perdão de Deus por meio da fé e dependemos dEle no processo de santificação.
Devemos exclamar, diariamente, do mais íntimo do nosso ser:
''Sonda-me, Ó Deus e conhece meu coração. Prova-me e conhece meus pensamentos.
."E vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo caminho eterno.''
(Salmo 139.23 e 24)
Editorial de Matheus Carneiro
Bibliografia:
Thune, Robert H,; A vida centrada no evangelho: com guia do líder. São Paulo: Vida Nova, 2015.
Watson, Thomas. A doutrina do arrependimento. São Paulo: PES, 2012.
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