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Atributos de Deus: Deus é Simples

O título deste editorial pode ter te deixado confuso, para dizer o mínimo. Ao listarmos os atributos de Deus, os primeiros que vêm à nossa mente são, provavelmente, soberania, onipotência, onipresença ou misericórdia. Mas o conceito popular de simplicidade não parece ser algo que poderíamos atribuir a Deus. Uma prova disso é a nossa frequente dificuldade em entender conceitos que as Escrituras apresentam de maneira muito direta e natural, que podem levar a discussões acaloradas mesmo entre cristãos. Tal conceito de simplicidade, definido como algo que não possui empecilhos para sua compreensão é, na realidade, oposto não só à nossa experiência com Deus (lembre-se de quantas vezes você quebrou a cabeça para entender alguma passagem difícil), mas também à própria Escritura: “Grande é o Senhor e mui digno de ser louvado; a sua grandeza é insondável” (Salmo 145.3).


Ora, então o que queremos dizer quando afirmamos que Deus é simples? Uma definição mais precisa da simplicidade de Deus é: Deus não é um ser composto. Ele não é dependente dos Seus atributos para existir, assim como Sua existência não é uma consequência dos Seus atributos. Em outras palavras, Deus não pode ser separado em partes, mas deve ser sempre considerado como um Ser único e puro, sem divisões. Neste texto, vamos explorar um pouco desse conceito e de suas implicações para a nossa vida cristã. Primeiro, vamos ver que, mais do que uma definição teológica, a simplicidade de Deus é algo que emana da própria Escritura. Dessa maneira, assim como ignorar certos atributos de Deus pode trazer sérios perigos na nossa vida cristã, ignorar a simplicidade de Deus também pode nos afastar da sã doutrina.


O Deus que define a Si próprio

A simplicidade de Deus pode ser vista de maneira prática em diversas passagens por toda a Bíblia. Provavelmente, a mais clara de todas está em Êxodo 3, onde Deus se revela pela primeira vez a Moisés na sarça ardente:


“Disse Moisés a Deus: Eis que, quando eu vier aos filhos de Israel e lhes disser:

O Deus de vossos pais me enviou a vós outros; e eles me perguntarem:

Qual é o seu nome? Que lhes direi? Disse Deus a Moisés:

Eu Sou o Que Sou. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel:

Eu Sou me enviou a vós outros.”

(Êxodo 3.13, 14)


Este é um ponto importante na história de Israel, especialmente porque é o início da recuperação da sua identidade como Povo de Deus. Isso está diretamente ligado com a pergunta de Moisés no versículo acima; ele sabia que não poderia contar com qualquer conhecimento anterior do povo, e que deveria dar mais detalhes sobre quem era esse Deus que o havia enviado. A resposta de Deus é extremamente interessante: “Eu Sou o Que Sou”. Note que, nesse primeiro encontro com Moisés, Deus não faz uma descrição extensa de todos os Seus atributos, nem procura usar elementos familiares para tentar dar a Moisés uma ideia clara de quem Ele era. Com isso, Ele deixa claro que não existe nenhum tipo de analogia possível para definir a Si mesmo perfeitamente — Ele apenas é. Ele não se define a partir das coisas criadas, mas todas as coisas criadas são definidas a partir dEle.


Com o tempo, Moisés e o povo passam a conhecer mais de Deus e da Sua justiça, retidão, misericórdia, santidade e todos os Seus outros atributos (basta dar uma olhada rápida pelo livro de Êxodo), mas nada disso é usado para definir a Deus; ao contrário, todos esses atributos são derivados da Sua própria natureza divina e revelados à medida que o povo se relacionava com Ele. Dessa maneira, os atributos de Deus são um com a Sua essência, e ocorrem como manifestações de Seu ser. Isso também significa que cada atributo está unido de forma inseparável a todos os outros: Sua bondade é impossível de ser separada de Sua justiça, misericórdia e santidade, pois cada um desses atributos faz parte de quem Deus é em essência. A simplicidade de Deus nos proíbe de lidar com cada um desses atributos de maneira isolada, ou cairemos no perigo de vermos Deus de maneira incompatível com a Sua natureza.


Os perigos de dividir o indivisível

Considerar ou não a simplicidade de Deus também tem consequências práticas na nossa vida cristã. Um erro comum em diversos ministérios está justamente ligado com a negligência desse atributo: prega-se uma mensagem de que Deus é amor, esquecendo-se de que esse amor também é santidade e justiça; isso leva à criação de crentes sem temor ou maturidade para enfrentar os desafios da vida cristã diária, empacados na sua santificação diária. Ao mesmo tempo, o foco na justiça de Deus sem levar em conta Seu amor e misericórdia leva à criação de uma cultura fria e legalista, onde o sacrifício de Cristo não é valorizado de maneira adequada.


A simplicidade de Deus também é uma das peças-chave para a nossa salvação. Somente por Deus ser simples, ou indivisível, é que Jesus também pode ser chamado de Deus, compartilhando a mesma natureza do Pai (João 14.9–11). Isso significa que, ao ignorarmos a simplicidade de Deus, também ignoramos a divindade de Cristo. O fato de Deus ser simples é o que torna o sacrifício de Cristo perfeito; a humanidade (Sua atuação como nosso representante) e divindade de Jesus são essenciais no processo de expiação, e tornam válido o Seu sacrifício na cruz. É também por isso que o fato de Deus ressuscitar a Jesus ao terceiro dia (Efésios 1.20) é equivalente a Jesus ter o poder para reaver a Sua vida (João 10.18). Isso torna o Calvário um evento maravilhoso: um episódio em que o Deus indivisível derrama Sua ira sobre o seu Filho, criando uma separação que nunca deveria existir. Tudo isso para que nós não sofrêssemos a separação que merecíamos por conta dos nossos pecados.


Ao contrário do que possa parecer, o conceito de simplicidade de Deus não é algo fácil de se entender de maneira profunda; e ainda assim é um atributo muito pouco explorado. Mesmo assim, onde a nossa razão parece falhar, podemos nos prostrar em adoração ao Deus que define a Si mesmo, e nos dá a perfeita definição de cada um dos Seus atributos baseados na Sua própria natureza. Que essa visão gloriosa possa desintegrar as nossas concepções erradas sobre Deus, e nos transformar de acordo com Aquele que é simples.


Editorial de Petrônio Nogueira



Nota: Texto baseado na pregação de Sinclair Ferguson: “The Lord Our God, The Lord is One: The Simplicity of God”.

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