Estamos no meio de uma série de editoriais explorando Os Dez Mandamentos e o que isso tem a ver conosco como cristãos. De certa maneira, um estudo como esse vai na contramão da tendência da nossa sociedade, que cada vez mais se aproxima de um sistema de pensamento que rejeita ordens, e abraça toda forma de liberdade e busca da satisfação dos seus próprios desejos. Nesse sentido, a religião falsa apresenta um Deus domesticado, cujo propósito é satisfazer minhas vontades ou, citando um jargão recente, que “quer criar em mim a melhor versão de mim mesmo”. O problema é que esse não é o Deus da Bíblia. O Deus que se apresenta a Israel (e o mesmo Deus que salvou a mim e a você) opera uma grandiosa obra de redenção na saída do Egito, promete Sua presença no meio do povo, e institui a Lei como meio de estabelecer Sua aliança. Os Dez Mandamentos são uma expressão do caráter de Deus e de Seu propósito em criar um ambiente no qual o relacionamento entre o homem pecador e o Deus santo seria possível.
Neste editorial, chegamos ao quarto Mandamento:
“Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo.
Trabalharás seis dias e neles farás todos os teus trabalhos,
mas o sétimo dia é o sábado dedicado ao Senhor, o teu Deus.
Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teus filhos ou filhas,
nem teus servos ou servas, nem teus animais,
nem os estrangeiros que morarem em tuas cidades.
Pois em seis dias o Senhor fez os céus e a terra,
o mar e tudo o que neles existe, mas no sétimo dia descansou.
Portanto, o Senhor abençoou o sétimo dia e o santificou.”
(Êxodo 20.8–11)
Em certo sentido, falar sobre o sábado no contexto cristão geral pode ser bem polêmico; segmentos diferentes do cristianismo seguem diferentes visões sobre a substituição da guarda do sábado pelo domingo, e sobre a interpretação apropriada do cumprimento deste Mandamento por Jesus. Meu objetivo neste texto não é defender um ponto de vista específico, mas apresentar princípios retirados das Escrituras que irão nos auxiliar na nossa vida cristã diária. Em suma, nesse texto vamos ver que o sábado mostra o padrão de Deus para o descanso, e nos aponta para o descanso real que só encontramos em Jesus.
Restaurando os padrões de fábrica
É fácil ver como os três Mandamentos anteriores são relacionados à adoração, e já vimos bastante disso nos editoriais anteriores. Porém, o quarto Mandamento parece desviar levemente desse tema, nos apresentando algo que parece ser extremamente prático: não trabalhe no sábado. Mas é justamente nesse ponto que nos enganamos: o quarto Mandamento tem tudo a ver com adoração. Em uma cultura baseada em trabalho braçal, onde normalmente o salário era diretamente proporcional ao tempo investido, não trabalhar um dia em cada sete parecia extremamente contraprodutivo — e até danoso para a economia nacional em termos meramente humanos. O sustento (e até a preservação) de um povo podia ser conectado com sua ética de trabalho. Mas não deveria ser assim com Israel. Desde a saída do Egito, Deus deixa bem claro que o sustento do povo seria, de maneira última, uma responsabilidade divina; vemos isso com a provisão do Maná (Êxodo 16), e mesmo com a instituição do ano sabático (Levítico 25). O povo ainda deveria trabalhar, mas a sua ética de trabalho deveria refletir que havia um Deus soberano de onde se originaria todo o seu sustento. O sábado era uma expressão de confiança em um Deus que não se importava simplesmente com uma adoração “religiosa” em um templo, mas com uma vida dedicada a Ele.
Note também que este Mandamento é modelado por Deus desde a criação. Desde Gênesis 2.2 e 3, Deus deixa claro que o Seu padrão de trabalho envolve ritmos de esforço árduo e descanso. Nesse sentido, descanso não pode ser visto como uma fraqueza (já que Deus é onipotente), mas como um padrão a ser seguido, como um equilíbrio entre dois regimes necessários para a manutenção de uma vida adequada. Assim, ao obedecer esse Mandamento, o povo de Israel estaria se identificando com Deus e refletindo parte de Seu caráter. Essa atitude, juntamente com a expressão de confiança na provisão divina, seria uma parte essencial de seu testemunho às nações à sua volta.
Entendendo o real descanso
Mas entender o quarto Mandamento simplesmente no contexto do povo de Israel nos dá uma visão limitada sobre o que é o real descanso de Deus. Um exemplo disso foram os fariseus no Novo Testamento que deturpavam o princípio do Mandamento e tornavam o sábado um peso para o povo, não uma bênção projetada por Deus. Isso caracterizava uma adoração funcional do sábado, que foi condenada duramente por Jesus em Seu ministério terreno (João 5.16–18 e Marcos 2.23–28). O fato é que o quarto Mandamento na verdade aponta para uma realidade maior, para um descanso prometido por Deus que não se limita a este tempo e espaço, mas que durará eternamente. É justamente esse descanso que é exposto em Hebreus 4.1–11. Usando a entrada do povo na Terra Prometida como base da sua argumentação, o autor deixa claro que existe um descanso prometido que vai além do sábado e do estabelecimento do povo em Canaã. Na realidade, o sábado era um lembrete semanal da promessa do descanso final da humanidade com Deus que seria eterno, uma promessa que era baseada na fé.
Jesus cumpriu o quarto Mandamento perfeitamente (assim como todos os outros) para comprar para nós o descanso eterno ao lado de Deus, num lugar onde “não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou” (Apocalipse 21.4). Sua obediência perfeita, sacrifício e ressurreição nos justifica diante de Deus, e nos dá acesso às grandiosas promessas de Deus para a eternidade. NEle temos descanso real, muito além das promessas vazias que esse mundo oferece (Mateus 11.28–30)! Em Jesus podemos descansar de uma vida de escravidão das boas obras, que tenta comprar a própria salvação. Em Jesus, achamos descanso das pressões que o mundo nos apresenta. Em Sua obra completa, achamos descanso e aceitação em Deus eternamente.
Editorial de Petrônio Nogueira
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