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Será Que Deus Proverá?

Dias difíceis muitas vezes se colocam como um aparente desafio à nossa teologia. Guerras, instabilidades econômicas, doenças... Efeitos do pecado nos cercam dia após dia, afetando a vida tanto de crentes quanto de não crentes. Porém, mesmo que nossas circunstâncias sejam frequentemente compartilhadas com o mundo, o crente ainda pode dizer confiantemente: “Deus reina sobre tudo e sobre todos!”. Mas se a sua experiência é ao menos remotamente parecida com a minha, muitas vezes um conhecimento puramente intelectual e genérico da soberania de Deus não nos ajuda a enfrentar os desafios da vida de maneira piedosa. Nosso coração desfalece, e em meio às nossas orações por alívio, Deus parece estar em silêncio. Mas isso não é bem verdade. Deus fala constantemente por meio da Sua Palavra, que tem aplicações claras para todo e qualquer problema que possamos passar deste lado do sol. Mas, longe de ter uma interpretação fatalista da realidade, a Bíblia nos mostra como o caráter de Deus e Suas promessas fundamentam nosso coração diante de problemas específicos e nos levam a dar graças mesmo nas circunstâncias mais improváveis.


O livro de Salmos é conhecido como o Livro de Louvores do povo de Deus. Um ponto constante nesse livro é o contraste entre as realidades vertical e horizontal do salmista: como parte do povo de Israel, ele desfrutava de um relacionamento especial com Deus, que envolvia grandiosas histórias de libertação e promessas vindouras. Mas ao mesmo tempo, o salmista sofre tanto com a injustiça e o pecado que o cerca, quanto com as consequências do seu próprio pecado. Os Salmos não pintam uma imagem de que o crente vai bem o tempo todo, mas mostra a realidade como ela é, e o que Deus tem a ver com isso. Neste pequeno texto vamos ver como a Palavra de Deus nos ensina a lidar biblicamente com incertezas e sofrimentos. Seguindo o padrão dos Salmos, isso envolve lembrar dos feitos de Deus no passado, reconhecer Sua provisão e soberania no presente, e seguir confiando nas Suas promessas para o futuro.


Lembrando do passado


Israel tem uma história repleta de eventos de libertação; basta uma lida rápida pelos livros de Êxodo e Juízes para isso ficar bem claro. Mas eventos como a saída do Egito e a conquista de Canaã não foram importantes somente na época em que ocorreram, mas eles moldaram a identidade de Israel como povo, afetando seu desenvolvimento — a prova disso é o número de vezes nos quais esses eventos são trazidos à tona tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Mais importante ainda, Êxodo nos mostra um povo descobrindo sua identidade como propriedade divina, aprendendo que Deus era, de fato, o único Deus verdadeiro, maior que os deuses do Egito, mais poderoso do que a mais poderosa nação da época. Eventos como esse revelavam o caráter de Deus e Sua disposição em relação ao povo, e são mencionados diversas vezes nos Salmos (os Salmos 105, 107 e 136 são bons exemplos):


“Louvem o Senhor, pois o Senhor é bom; cantem louvores ao seu nome,

pois é nome amável. Porque o Senhor escolheu Jacó;

a Israel, como seu tesouro pessoal. Na verdade, sei que o Senhor é grande,

que o nosso Soberano é maior do que todos os deuses.”

(Salmo 135.3–5)


É interessante notar a lógica do salmista nos versos 3 a 5, onde o caráter de Deus e Seus atributos (bondade, amabilidade e grandeza, nesse caso) são ligados de maneira específica à Sua ação passada. Começando com a eleição soberana de Jacó (no verso 4), o salmista ressalta a soberania de Deus na criação (versos 6 e 7), a libertação do Egito (versos 8 e 9) e a conquista da terra prometida (versos 10–12). De fato, eventos passados mostram o cuidado e a provisão de Deus com o povo de Israel. Mas o que isso tem a ver conosco, que não somos povo de Israel? Bem, mesmo que essas histórias não apelem para uma identidade nacional como no caso dos judeus, a mensagem central ainda é a mesma: Deus escolhe, livra e sustenta. Sendo cristãos, Deus nos escolheu na eternidade passada, sem que antes pudéssemos fazer nada para merecer o Seu favor (Romanos 8.29). Ele nos redimiu por meio do perfeito sacrifício de Cristo, nos livrando do jugo do pecado (Romanos 6.17 e 18). E é Ele quem nos sustenta até que Cristo volte (Romanos 8.31–39). Nossa salvação é um testemunho do caráter de Deus e do Seu amor por nós, que aquece nosso coração em dias difíceis.


Reconhecendo no presente


Mas a ação divina não deve ser tratada apenas como algo de um passado distante. O fato é que o mesmo Deus ainda sustenta o universo soberanamente:


“Fazes jorrar as nascentes nos vales e correrem as águas entre os montes;

delas bebem todos os animais selvagens,

e os jumentos selvagens saciam a sua sede.

As aves do céu fazem ninho junto às águas e entre os galhos põem-se a cantar.

Dos teus aposentos celestes regas os montes;

sacia-se a terra com o fruto das tuas obras!”

(Salmo 104.10–13)


Esse tema também é recorrente nos Salmos (veja os Salmos 19 e 145, por exemplo), geralmente ressaltando o poder de Deus em sustentar não só o homem, mas toda a criação. E isso também é algo que normalmente falhamos em pensar quando passamos por dificuldades. Por trás de qualquer circunstância, a soberana mão de Deus não cessa de prover tudo o que precisamos, mesmo que de maneira diferente do que esperamos. Situações adversas nos mostram onde a nossa confiança está firmada, nos ajudando a praticar nossa dependência em Deus (2 Coríntios 1.9), desfrutando dos meios que Ele escolheu para estender graça sobre nossas vidas. De maneira prática, o Novo Testamento nos mostra que frequentemente a igreja tem um papel essencial nisso, seja por meio do encorajamento mútuo, ou pela prática da generosidade no meio do corpo.


Confiando para o futuro


O Deus que se revelou no passado e nos sustenta no presente tem muito mais reservado para o futuro. Pedidos de socorro nos Salmos muitas vezes encontram resposta naquilo que Deus prometeu na sua Lei, se baseando na fidelidade demonstrada no passado e no presente.


“O Senhor escolheu Sião, com o desejo de fazê-la sua habitação:

Este será o meu lugar de descanso para sempre; aqui firmarei o meu trono,

pois esse é o meu desejo. Abençoarei este lugar com fartura; os seus pobres suprirei de pão. Vestirei de salvação os seus sacerdotes e os seus fiéis a celebrarão com grande alegria.

Ali farei renascer o poder de Davi e farei brilhar a luz do meu ungido.

Vestirei de vergonha os seus inimigos, mas nele brilhará a sua coroa.”

(Salmo 132.13–18)


Mesmo que a situação do salmista não mude (como usualmente pede em suas orações), ele é consolado pela promessa de um Rei Messiânico, o descendente de Davi que viria reinar de maneira justa e perfeita, garantindo segurança para os fiéis e vitória sobre os inimigos. Mesmo que algumas dessas promessas tenham tido cumprimento parcial em Davi e Salomão, esse reinado perfeito não foi concretizado em nenhum desses dois reis, mas será em breve; Jesus é o descendente último de Davi (Atos 2.25–30), que venceu o pecado e a morte, e que retornará para reinar eternamente.


É exatamente essa promessa que deve se manter em nossas mentes em dias difíceis, a promessa de uma eternidade ao lado do Rei, onde os efeitos do pecado serão completamente anulados. Bendita esperança! Graças a Deus por Cristo, razão da nossa salvação! Que cresçamos em gratidão pela Sua obra e em conhecimento da graça e provisão divina, que nos dá todos os recursos para enfrentarmos qualquer dificuldade.

Editorial de Petrônio Nogueira



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