Sobre a série: Uns aos outros.
Durante o ano de 2020, temos refletido de forma intencional sobre "ser e fazer discípulos". Visitamos passagens bíblicas que instruem sobre a vida do discípulo e a prática de fazer discípulos. Reconhecemos que precisamos entender o que é um discípulo e como discipular pessoas e acabamos por redescobrir a simplicidade de nossa fé e passos práticos para o discipulado ao alcance de todos. Dentro dos assuntos tratados, é importante identificarmos as características da comunidade dos discípulos de Jesus Cristo. Ao longo da história da Igreja Batista Maranata, chamamos essas características de "mutualidades". Durante esta série traremos reflexões sobre os mandamentos bíblicos de reciprocidade, marcados pelos mandamentos conhecidos como "uns aos outros". A vida do discípulo acontece numa comunidade marcada por práticas que testemunham do caráter de Deus e Sua obra de salvação que nos transforma para o testemunho do Evangelho.
Vivam em harmonia uns com os outros
Ao longo da história, muitos se perguntaram qual seria o papel da igreja dentro da sociedade. Alguns afirmam que a igreja, como instituição, deve ser responsável por ajudar os mais pobres, organizando ações sociais e promovendo o bem-estar dos menos favorecidos. Outros dizem que a igreja é encarregada de dar algum tipo de conforto espiritual para os seus membros e que a satisfação deles deveria ser o seu maior objetivo. Ainda outros defendem que a igreja tem o papel de mostrar um ideal moral para o mundo e que ela deveria usar todos os meios possíveis para promover tais ideais, pois só assim poderemos viver numa sociedade em harmonia. Apesar de algumas dessas ideias terem pontos de verdade, todas elas falham em definir de maneira própria o papel da igreja como mostrado na Bíblia — como determinado pelo criador da igreja. O apóstolo Pedro, por exemplo, se refere à igreja de maneira clara em sua primeira carta:
“Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa,
povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.”
(1 Pedro 2.9)
Note que igreja é mais que uma instituição etérea: ela é um conjunto de pessoas que foram transformadas pela graça de Deus e que hoje vivem para servir e proclamar o Deus que as salvou — este é o seu papel. Ela faz isso por meio de vidas transformadas que refletem o caráter de Deus num mundo caído. Uma parte importante desse processo se dá no relacionamento mútuo dentro da igreja e hoje vamos pensar um pouco sobre a importância de se viver em harmonia uns com os outros como igreja. Mais especificamente, vamos ver que viver em harmonia é resultado de uma visão bíblica de quem somos e do que Deus fez por nós e que, sem isso, nossa missão como igreja estará comprometida.
Nossa visão sobre nós afeta a harmonia dentro da igreja
Todo discípulo passa por um processo de transformação, onde deixa de ativamente rejeitar a Deus e passa a amá-lO, se submetendo de maneira grata à Sua palavra. Nesse novo estado, o cristão inicia um processo de renovação de mente, onde desejos e comportamentos antigos são substituídos por novos. Paulo dá um panorama desse processo em Romanos 12, onde uma das ordenanças ressaltadas é a de substituir o comportamento orgulhoso por um caracterizado por humildade nos relacionamentos mútuos:
“Tende o mesmo sentimento uns para com os outros;
em lugar de serdes orgulhosos, condescendei com o que é humilde;
não sejais sábios aos vossos próprios olhos.”
(Romanos 12.16)
Relacionamentos no mundo usualmente são definidos por algum tipo de interesse mútuo ou por convivência em lugares comuns (como bairros, escolas, locais de trabalho). Porém, dentro da igreja, relacionamentos devem ser cultivados independentemente de todas essas coisas, pois todos nós estamos no mesmo patamar diante de Deus: somos pecadores resgatados pela graça, sem mérito algum nesse processo (Romanos 3.23, 24) — isso nos mantém numa posição de humildade. Muitas vezes, o único ponto em comum entre dois cristãos é Cristo; mas isso é mais do que suficiente para criar relacionamentos saudáveis e duradouros.
Paulo dá um passo além nessa ordenança em Filipenses 2, mostrando que ter “o mesmo sentimento” implica em não buscar os seus próprios interesses, mas os dos outros. E o exemplo que ele usa para ilustrar isso é o do próprio Cristo, que “...subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens...” (Filipenses 2.6, 7). Uma visão humilde de quem nós somos irá nos levar a uma preocupação maior com os interesses dos nossos irmãos do que com os nossos — a expressão disso dentro da igreja irá levar à unidade e harmonia.
Nossa visão sobre a obra de Cristo afeta a harmonia dentro da igreja
Tratando das consequências da nossa união com Cristo, Paulo passa pelo mesmo tema em Colossenses 3, ressaltando mais uma vez a importância da unidade e harmonia dentro da igreja:
“Seja a paz de Cristo o árbitro em vosso coração, à qual, também,
fostes chamados em um só corpo; e sede agradecidos.”
(Colossenses 3.15)
Longe de ser algo subjetivo e emocional, a palavra “paz” usada pelo apóstolo Paulo se refere diretamente à obra de redenção efetuada por Cristo na cruz, à paz com Deus que foi obtida por meio do seu sacrifício (Romanos 5.1). A vida comum dos discípulos dentro da igreja deve ser justamente definida por essa paz, refletindo uma realidade eterna nos nossos relacionamentos horizontais. Assim, a prática da harmonia e unidade está diretamente relacionada com a importância que damos à obra de Cristo, que levou à restauração do nosso relacionamento com Deus. O apóstolo afirma que paz com Deus está intimamente ligada com sermos um só corpo, essas duas coisas não podem ser separadas. Valorizar a cruz irá nos levar a valorizar a nossa unidade.
Um autor cristão ressaltou a importância da união dentro da igreja de maneira muito clara: “A igreja é única e tem de ser única porque Deus é único. [...] A unidade dos cristãos na igreja deve ser uma peculiaridade da igreja e, para o mundo, um sinal que reflete a unidade do próprio Deus.”1] Só poderemos cumprir nosso papel de refletir o caráter de Deus ao mundo se zelarmos pela nossa união e pela nossa harmonia no convívio diário. Mostramos Deus ao mundo por meio da nossa união, por meio de uma preocupação genuína por aquilo que é do outro, assumindo um viver humilde e deixando de lado nossas preferências, enfatizando aquilo que nos une: Cristo e Seu sacrifício na cruz. Esse será o nosso maior testemunho ao mundo de que Deus realmente salva e transforma pessoas para Sua honra e glória!
Editorial de Petrônio Nogueira
[1] Dever, Mark. Igreja: O Evangelho Visível. Editora Fiel (www.editorafiel.com.br). Kindle Edition. Capítulo 2.
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